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Voltar ao terreno depois da distância - obstáculos e possibilidades

Artigo publicado na Revista "Marketing Farmacêutico" - Jan/Fev 2021

A equipa nobox

A pandemia afastou-nos, congelou relações e pôs tudo em pausa. Entre muitas outras coisas, o contacto com (e entre) profissionais de saúde e os eventos formativos tiveram de ser cancelados, adiados ou reinventados num formato alternativo - na sua maioria, digital. Com o prolongar da pandemia, a dualidade entre eventos presenciais e virtuais mantém-se, sabendo que a reaproximação aos parceiros é crítica e deve ser retomada. 

Chegará o momento de reaquecer estas ligações. Mas será certamente um momento incerto, com uma mistura grande de emoções, lembranças e oportunidades. Temos, por isso, de perceber o contexto e o mar que iremos navegar, para saber como chegar ao destino pretendido. 

No fim de tudo isto, independentemente de quando acontecer, iremos todos provavelmente passar pelas seguintes etapas (por esta ordem, por outra, ou todas ao mesmo tempo):

  1. Vamos estar todos cansados, muito cansados. Ou talvez a palavra certa seja, fartos! 

Fartos de só falar de COVID, fartos de só tratar casos COVID-19, fartos de alterações constantes à nossa vida sem poder fazer planos, fartos dos mesmos procedimentos, fartos de ter de aguentar até tudo passar, fartos de ter que dar o exemplo por trabalharmos na área da saúde, fartos da perseguição constante a ver quem desliza e quem não cumpre as regras (que mudam todos os dias), fartos de muita coisa e também de não poder desanuviar e fazer as coisas que nos ajudam a ultrapassar o cansaço!

  1. Saudades dos “bons velhos tempos” e vontade de compensar o tempo perdido.

Com o evoluir da pandemia, fomos acumulando os desejos do que fazer depois, através das lembranças do que mais sentíamos falta antes. Com a excepção da pequena janela de esperança no Verão, esses desejos foram sendo adiados e acumulados. As novas experiências em casa já não são suficientes e cada vez mais sentimos falta de fazer o que não podemos.

  1. Necessidade de fazer “luto” e processar tudo que aconteceu.

Por mais que esteja a ser difícil, esta será uma das experiências mais marcantes que todos tivemos ou teremos. Com ela tivemos experiências inesquecíveis e outras que queremos esquecer, mas que terão de ser de alguma forma processadas, ao passarmos para o pós-pandemia. As equipas mudaram, as pessoas também e cada um de nós. Quer como indivíduos, quer como equipas e/ou organizações, precisaremos de em algum momento refletir e processar tudo que aconteceu, para poder com mais calma e visão iniciar um novo ciclo.

  1. Apesar da situação, melhor oportunidade de mudança:

As coisas nunca serão como dantes, mas não sabemos como serão. A pandemia forçou-nos todos a fazer diferente e mostrou as possibilidades de mudar. Apesar de alguns quererem voltar atrás, todos experimentaram durante um pouco novas abordagens, quebrando-se a primeira barreira, que é mostrar que não é obrigatório  fazermos o nosso trabalho como sempre fizemos. Contudo, durante a pandemia o cepticismo era um bocado menor, porque tinha de ser. Caberá agora a cada um identificar o que pode e deve ser alterado e, acima de tudo, implementá-lo de uma forma que envolva os intervenientes. Será mais difícil que em Março de 2020, mas nos próximos anos, dificilmente teremos um terreno mais fértil para inovar!

Dadas as dificuldades e os pontos abordados, o regresso ao terreno não pode ser monótono e não vai ser suficiente fazer o que já fazíamos, mesmo que bem. Esta pandemia veio baralhar tudo. Levou-nos a pausar, mas não a parar. Foi na verdade uma pausa transformadora, que nos obrigou a acelerar. Já todos conhecemos demasiado bem o lado “mau” do COVID-19,, mas podemos agora começar a pensar em falar do que aprendemos com ele. 

Este momento está a ser chamado de great unfreezing, um momento caracterizado por uma aceleração de inovação e mudança. Algumas destas mudanças estavam já a decorrer e foram catalisadas, outras nasceram na crise e estão já no terreno. Este é dos aspetos positivos desta crise, mas que não durará para sempre. Somos seres de hábitos, e independentemente de falarmos muito de mudança, o que mais queremos neste momento é voltar ao normal, ao antigo normal. Queremos poder trabalhar juntos com a nossa equipa e com os nossos clientes e voltar aos bons velhos procedimentos.

Mas é aqui, neste espaço temporal, entre a loucura da crise e o assentar da poeira processual levantada, que reside a oportunidade. A grande oportunidade deste momento é a reinvenção das organizações, desde o modelo de negócio à forma como organizam as equipas e implementam e mantêm processos. As inovações que surgiram nos últimos meses foram maioritariamente adaptativas para conseguir dar as mesmas respostas que dávamos antes da crise, ao invés de verdadeiras mudanças estruturais com a visão do futuro em mente. Nesta fase reactiva, o fundamental foi resistir e garantir uma resposta, mesmo que de forma alternativa, com muita criatividade (e trabalho) à mistura. Mas depois desta resposta rápida, é agora que surge a grande oportunidade para as organizações se reimaginarem profundamente e se transformarem em instituições de saúde do futuro.

Um regresso marcante e em segurança 

O futuro das instituições e das equipas de saúde está de mãos dadas com a reinvenção dos eventos formativos, desde os congressos aos workshops, indo além do binómio presencial versus digital e garantindo as regras de distanciamento social, caso ainda sejam necessárias. As hipóteses são muitas e já existem há algum tempo, mas pode ter chegado agora o momento de as pôr em prática no mundo da saúde:

  1. Valorizar mais a qualidade do que a quantidade: cada vez temos mais palestras, workshops, keynote speakers, posters e outros eventos, nos congressos em saúde, muitas vezes condensados em poucos dias. Além da quantidade ser avassaladora para qualquer participante, também comummente implica uma menor atenção ao pormenor da organização, originando na maior parte das vezes sessões com questionável interesse para os participantes. O foco deve voltar a focar-se na qualidade, para garantir experiências centradas na aprendizagem do formando, respeitando o pouco tempo que sabemos ter disponível;
  2. Aprendizagem mais imersiva e experiencial: são inúmeras as iniciativas de aprendizagem através de experiências totalmente imersivas onde o participante se envolve num mundo ou cenário criado com o propósito de facilitar a aprendizagem;
  3. Aprendizagem ao longo do tempo: é fundamental que a aprendizagem não seja reduzida ao dia de um evento, mas que esta seja prolongada no tempo, através de momentos deliberados de prática relacionada com a aprendizagem em causa, quer antes, quer após um evento formativo.
  4. Microlearning: esta é uma nova abordagem que fragmenta a aprendizagem em partes muito pequenas para serem consumidas lentamente ao longo do tempo (através de SMS, emails, pequenos vídeos, etc).
  5. Aprendizagem gamificada ou através do jogo: os princípios de jogo são usados já há algum tempo como forma de promover um maior envolvimento das equipas e participantes numa determinada tarefa. Isto contribui para uma maior diversão e compromisso, logo aumentando a aquisição de competências;
  6. Simulação de alta fidelidade: existem cada vez mais ferramentas e plataformas para simular as práticas do dia-a-dia, com feedback na hora, que permite melhorar a competência técnica dos vários interveniente;
  7. Percursos de aprendizagem personalizados: precisamos de pessoas diferenciadas em áreas progressivamente mais específicas, pelo que qualquer novo programa deve permitir este grau de adaptação e diferenciação, muitas vezes complementando várias das alternativas já apresentadas acima;
Serious Game em colaboração com a Sociedade Portuguesa de Anestesiologia (SPA)

A mudança ainda agora começou e cabe-nos aproveitar esta oportunidade para repensar a forma como entregamos valor, como nos organizamos, trabalhamos ou como tomamos decisões. É também a oportunidade de encontrar novas formas de promover mudança. Mas a vontade de mudar e renovar implica também riscos. É preciso ter espírito crítico para selecionar os melhores projetos e iniciativas e não desfocar do que é realmente importante. Procurem envolver as vossas equipas nos processos de mudança e contem com elas para questionar e antecipar os problemas imprevistos.

Nem tudo tem de mudar e muitas das soluções implementadas agora são apenas temporárias. Mas outras passarão não só a ser implementadas, mas institucionalizadas. É fundamental a inclusão neste processo das equipas, dos parceiros, dos profissionais e, claro, dos doentes. No final, o que todos queremos é a satisfação de stakeholders e shareholders, e contribuir para um sistema mais capaz de entregar saúde à população. A clareza deste objetivo ajudará a clarificar também os caminhos a percorrer, e tornará a jornada muito mais satisfatória e divertida.

A equipa nobox