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Líderes e não chefes: é assim tão complicado?

Muita coisa é urgente, mas nada funcionará sem investir de forma estruturada no recrutamento, formação e capacitação dos novos líderes da saúde.

A equipa nobox

Apesar de ser um facto consumado a necessidade emergente de maior investimento na saúde, é preciso fazer acompanhar um maior investimento, de uma reforma da gestão em saúde que terá necessariamente de incluir várias vertentes, desde o modelo de financiamento, medição do valor em saúde, segurança do doente, continuidade de cuidados, autonomia de gestão, entre outros. 

Mas, acima de tudo, é preciso fazer algo para valorizar, recompensar e voltar a motivar aqueles que há muito tempo tapam os buracos do SNS, através de um grande sacrifício pessoal e do seu próprio bem-estar, os profissionais de saúde. 

Entre outros aspetos que envolvem salários, condições de trabalho, apoio ao desenvolvimento profissional contínuo, há um assunto prioritário e urgente, mas raramente falado, que se relaciona com a forma como selecionamos, recrutamos, formamos e mantemos pessoas em cargos de chefia na saúde, as pessoas responsáveis pela gestão das equipas no dia-a-dia.

Infelizmente, o nome diz exatamente o que o cargo habitualmente implica: fazer o papel de chefe, quase administrativo. Na prática, é uma responsabilidade quase puramente burocrática de aprovação de horários, gestão de escalas, assinatura de autorizações para congressos ou outras iniciativas, sem que haja realmente um papel e um estímulo à função de liderança e de gestor de pessoas. E a culpa não é somente das pessoas nos cargos. Trata-se de um problema sistémico, que começa no processo de seleção até à falta de qualquer estratégia na formação, acompanhamento e desenvolvimento destes potenciais líderes.

Ademais, caímos constantemente no conhecido Príncípio de Peter (de Laurence J. Peter, 1969), que explica que numa hierarquia as pessoas tendem a subir até chegarem ao seu nível de incompetência, uma vez que os processos de seleção para um novo cargo baseiam-se normalmente no sucesso na tarefa anterior, ao invés de se focarem nas capacidades e competências necessárias para o novo cargo.

Na saúde, isto normalmente manifesta-se na seleção de pessoas pela sua competência técnica, sem que seja prestada a devida atenção às competências sociais, relacionais e estratégicas, fundamentais para exercer um processo de gestão e desenvolvimento de pessoas e de equipas.

Esta falta de visão tem impactos negativos diretos na satisfação dos profissionais e na organização das equipas, prejudicando a qualidade de cuidados, inibindo a inovação, e promovendo a manutenção do status quo, impedindo a reação e antecipação dos novos desafios impostos, algo gravíssimo numa área constantemente em mudança como a saúde.

E mudar não é impossível.

Podemos olhar para um exemplo, como o do Reino Unido, onde desde cedo reconheceram este problema e desenvolveram um modelo de liderança em saúde, com formação obrigatória para todos os nomeados para cargos de chefia, que eles desenvolveram em cargos de liderança.

Em Portugal temos alguns exemplos diferentes, como é o caso das USF em que o processo de seleção do líder já tem em conta estes aspetos ao permitir a participação de toda a equipa, mas continua a ficar à responsabilidade do novo líder a iniciativa de investir, tempo e dinheiro, na sua formação nas novas competências como alinhamento organizacional, liderança, desenvolvimento de pessoas, entre outras. 

Muita coisa é urgente na saúde, mas nada funcionará sem equipas motivadas, bem geridas e alinhadas num rumo bem definido. Isso só acontecerá quando decidirmos investir de forma séria e estruturada no recrutamento, formação e capacitação dos novos líderes da saúde. Enquanto isso não acontecer, poderemos continuar a assistir a uma falta de interesse nos cargos das pessoas com mais potencial, e a um agravamento da desmotivação dos profissionais e, consequentemente, do Serviço Nacional de Saúde.

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