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Preparar hoje o profissional de saúde de amanhã: o papel das soft skills

Este artigo foi escrito para a revista "Substância Ativa" da AEFFUP

Ana Rita Ramalho

A formação dos profissionais de saúde do século XXI é atualmente caracterizada por um aumento da profundidade do conhecimento técnico-científico em áreas de intervenção cada vez mais restritas, e pelo desenvolvimento de novas e cada vez mais diferenciadas profissões. O advento do doente com multimorbilidades e a consequente necessidade de um acompanhamento multidisciplinar quase contínuo, naturalmente transforma o paradigma (ultra)passado de atuação quase restrita à interação entre um doente e um profissional de saúde, para uma comunhão entre um Sistema de Saúde e o doente, o seu contexto e a sua família. 

 

Esta conjuntura naturalmente impõe a necessidade não de adaptar, mas de reinventar a formação, com o devido reconhecimento nos currículos das Escolas de Saúde de competências que permitam aos futuros profissionais de saúde acompanhar e enfrentar os novos desafios da Saúde no século XXI. A inadequada preparação curricular dos estudantes da área da saúde já se encontra reportada, sendo apontado como prioridade a necessidade de transformar a preparação individual e monodisciplinar dos profissionais. É-nos assim exigido um novo mote: o de colocar o doente no centro da decisão, através de prestação de cuidados de saúde alicerçados em equipas multidisciplinares, colaborativas e mais eficazes, com o desenvolvimento  dos seus elementos em competências interprofissionais.

 

O reconhecimento da relevância das soft skills, geralmente definidas como as características pessoais que permitem a um indivíduo interagir eficazmente e harmoniosamente com os outros, essenciais a uma performance de sucesso em qualquer enquadramento interpessoal, e o investimento no seu desenvolvimento fazem parte do novo mote criado.

 

Ao contrário das hard skills, as soft skills são mais difíceis de avaliar, mas nem por isso devem ser entendidas como sendo de menor importância, estando inclusive demonstrado o seu impacto na qualidade dos cuidados prestados aos doentes e suas famílias. Ademais, e ao contrário do que poderá ser expectável, atribui-se a responsabilidade da maioria dos erros clínicos a falhas de comunicação e articulação entre profissionais de saúde. Estas assunções não questionam a importância da formação técnico-científica providenciada atualmente pelas Escolas de Saúde, mas antes reforça a necessidade crescente de criar novas competências para complementar as já existentes.

E que “novas” competências são essas?

Comunicação

Uma comunicação eficaz permite não só uma parceria com o doente, em prol da sua saúde, como um trabalho próximo com todos os profissionais envolvidos na prestação de cuidados. A importância da comunicação é facilmente reconhecida em contextos de emergência, nos quais uma comunicação concisa e eficaz é primordial, uma vez que o tempo é um fator determinante nos resultados obtido.

Colaboração

Um trabalho em equipa colaborativo pressupõe não só a partilha de conhecimento, perspetivas, responsabilidades e decisões, como também uma vontade de aprender em conjunto. Para que este trabalho colaborativo ocorra é fundamental que exista um respeito e valorização da diversidade da equipa, com reconhecimento das responsabilidades e limitações dos diferentes profissionais. Também facilmente reconhecemos que a maioria do trabalho na área da saúde é colaborativo, e que um trabalho de equipa eficaz e eficiente é essencial para uma performance de sucesso, fundamental para cuidados seguros, de elevada qualidade e centrados no doente.

Liderança

A melhoria contínua dos cuidados de saúde prestados depende não só da capacidade de um líder de gerir pessoas e objetivos, definindo prioridades e clarificando papéis e responsabilidades, como também da sua habilidade em facilitar e conduzir a mudança, demonstrando capacidade em responder a situações novas ou emergentes, a mudanças de horário ou das necessidades organizacionais com uma redefinição de prioridades e reorganização de responsabilidades. Mas ser líder na equipa implica não só demonstrar a capacidade de fomentar o desenvolvimento da mesma, como a capacidade de reconhecer e aceitar a liderança de outros elementos em situações que assim o exijam.

A colaboração durante o ensino pré-graduado garante uma maior abertura à colaboração durante o exercício da profissão

Estas competências – uma modesta exposição do que se espera reconhecer num profissional multicompetente - aplicam-se a todos os profissionais de saúde, independentemente da sua área de conhecimento de proveniência, e estão rapidamente a tornar-se num critério de recrutamento nuclear para várias posições na área da saúde. É por isso que Escolas de Saúde que reconheçam a necessidade de melhorar a formação e capacitação dos seus estudantes, para antecipar e responder aos novos desafios impostos à Saúde, podem (ou devem) usar este conjunto de competências como ponto de partida para a reforma dos seus currículos.

Mas resta-me esperar que a minha Escola inclua no currículo o desenvolvimento de soft skills? Não há nada que eu possa fazer para melhorar as minhas competências individuais? – perguntas tu.

Claro que há – respondo eu. Tens a oportunidade de investir na tua formação complementar e podes começar já! O primeiro passo é identificar aquelas competências que atualmente carecem de desenvolvimento, para que posteriormente se possa definir um plano de desenvolvimento individual das mesmas. O segundo passo é escolher duas ou três competências a investir no imediato. Uma prática diária dessas competências é recomendada, mas é importante estar consciente de que, enquanto algumas rapidamente se podem tornar um hábito, outras podem requerer um pouco mais de tempo. Por exemplo, se a incapacidade de gerir o tempo é considerada um handicap, pode-se começar por criar o hábito de organizar a agenda pessoal e focar no cumprimento meticuloso da mesma.

 

Por último, é importante reconhecer que o domínio das soft skills é um processo contínuo, e o seu aperfeiçoamento deve ser fomentado ao longo de toda a carreira profissional. Por isso, se a tua Escola ainda não começou a preparar o profissional do futuro do amanhã, fica sabendo que hoje ainda vais a tempo de te tornares o profissional multicompetente na dedicação ao teu doente e à tua equipa, e que nós estamos cá para ajudar.

Ana Rita Ramalho

Médica