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Experiências do terreno - O impacto nas visitas domiciliárias

Técnico de Cardiopneumologia numa empresa de cuidados respiratórios domiciliários (Linde Saúde)

Tiago Nogueiro

Foi no início de Março que tivemos a confirmação daquilo que todos nós já suspeitávamos… a COVID-19 tinha sido detetada oficialmente, o “Monstro” tinha chegado e tinha dito “presente”.

Sabíamos que ele já por cá circulava, mas a confirmação do primeiro teste positivo, era o clique para despertar uma série de questões/incertezas/medos em todos nós. Os preocupados ficaram ainda mais preocupados, os mais otimistas ficaram mais pessimistas, os mais céticos ficaram menos céticos… em suma ninguém ficou indiferente.

Eu era um daqueles mais céticos, que acreditava que não passaria de um surto de gripe um pouco mais forte, que afetaria sobretudo os mais frágeis como todos os anos acontece. No entanto, a minha opinião foi mudando ao longo do tempo. Os números arrepiantes de países ocidentais, tão parecidos com o nosso Portugal, fizeram qualquer um render-se a evidência da propagação do vírus e da letalidade do mesmo.

Sendo eu profissional de saúde, no tratamento de doentes do foro respiratório, tanto no apoio domiciliário como no apoio hospitalar, o meu primeiro medo foi efetivamente estar infetado e infetar aqueles que cuido, que por acaso até fazem parte dos grupos de maior risco. Sendo um inimigo invisível e muitas das vezes silencioso, fazia surgir ainda mais as dúvidas e os receios na nossa atuação. Era necessário um plano de ação que nos protegesse a todos: doentes, cuidadores e profissionais de saúde.

Essa resposta veio com um plano de contingência após anúncio da pandemia, de acordo com as normas de orientação da DGS, que nos mantinham um pouco ansiosos com a nossa atuação, pois o distanciamento era algo que não poderíamos cumprir em muitas das situações da nossa atividade. Era urgente que o paradigma dos EPI´s fosse repensado, nomeadamente com a utilização obrigatória de máscaras. Na minha opinião pessoal, penso que estas linhas orientadoras foram de encontro com as necessidades mais urgentes para distribuição de recursos, a falta de máscaras no mercado e a proteção daqueles que estão na linha da frente era prioritária. No entanto apesar de não serem as condições materiais ideais, combatemos com aquilo que todos nós cidadãos nos podemos comprometer, comprometemo-nos com o nosso comportamento responsável evitando tudo aquilo que poderia contribuir para a propagação do vírus.

Ao longo dos dias foi visível a compreensão, a gratidão, a colaboração dos nossos doentes com todas as alterações e medidas tomadas. Eles sentiram evidentemente que estamos a zelar pela segurança e bem-estar deles, e certamente após 2 meses de pandemia, estou certo de que a nenhum dos doentes lhe faltou nada da nossa parte.

Já vão 2 meses a trabalhar nestas circunstâncias, eu a trabalhar alternando a prestação de cuidados ao domicílio com o teletrabalho, a minha esposa em teletrabalho e 2 filhas com menos de 6 anos para cuidar e educar. Dois meses difíceis, 2 meses a chegar a casa depois do trabalho aos domicílios, trocar de roupa na garagem, entrar em casa e pedir às filhas para não me abraçarem, ir direto para o chuveiro tomar banho e de seguida receber uma chamada para sair novamente e repetir todo o processo. Dois meses a ter um nó na garganta de não ser infetado ou infetar algum doente sempre que me desloco ao seu domicílio onde se encontra em isolamento social. Foram 2 meses de elevada responsabilidade mantendo sempre foco no bem-estar dos nossos doentes.

Felizmente, trabalho numa empresa que se soube reinventar e proteger os seus profissionais. Um trabalho que parecia impossível ser realizado à distância e com mínimo contacto, afinal era possível ser feito em algumas situações. Toda a estrutura se reorganizou e se antes já trabalhava em equipa, agora mais do que nunca as palavras solidariedade, empenho e motivação faziam sentido. 

Mas infelizmente, a pandemia ainda não terminou. Não foi o fim do estado de emergência que decretou o fim do “Monstro”, não podemos deixar que todo o trabalho desenvolvido até ao momento caia em saco roto, é imperativo que o nosso comportamento se mantenha responsável neste regresso à “pseudo-normalidade”. Se até ao momento eu me sentia relativamente seguro por sentir que estamos todos a remar para o mesmo lado, agora sinto que muitas pessoas estão a baixar as defesas. Não podemos facilitar, o exemplo vem de cima e os profissionais de saúde tem que ser os primeiros a dar o exemplo. Comportamento gera comportamento e agora mais que nunca. Os profissionais de saúde e os portugueses não precisam de palmas, precisam sim de responsabilidade social, e todos ganharemos com isso.

Da minha parte irei manter a minha postura e tentarei passar a mensagem sempre da melhor forma.

Só vai ficar tudo bem se nós deixarmos…

Tiago Nogueiro

Técnico de Cardiopneumologia numa empresa de cuidados respiratórios domiciliários (Linde Saúde)