• estratégia
  • lideranças intermédias
  • inovação
  • planeamento

Como dar o salto de “mais” para “melhor” envolvendo lideranças intermédias?

Estratégia nas organizações de saúde

Diogo Fernandes Silva

Como ultrapassar uma estratégia assente apenas em mais produção?

É compreensível que de ano para ano o objetivo seja produzir mais e dar mais acesso a cuidados de saúde. No entanto, não podemos ficar por aqui. A ambição não pode ser cega, limitada a um pouco mais do que se atingiu no ano passado. Temos que começar a procurar produzir também melhor e produzir de forma diferente, procurando novas soluções para os problemas de saúde das populações.

No entanto, se o “mais” exige apenas saber o que já se faz, dar o salto para “melhor” e “novo”, implica conseguir perceber o que podíamos (e devíamos) fazer.

E tal só se consegue com um conhecimento muito mais profundo da realidade da organização e um envolvimento real das equipas do terreno na análise dos problemas e na definição dos objetivos, uma vez que implica:

  • pôr em causa números e indicadores atuais, por vezes, até procedimentos.
  • levantar hipóteses de novas abordagens ou tratamentos que só os profissionais no terreno têm conhecimento. 
  • descobrir pontos de melhoria organizacional que só quem lida com os processos no dia-a-dia consegue identificar.

Por outro lado, implica inevitavelmente uma estratégia mais “democrática”, ou seja, se ouvimos e envolvemos os profissionais e lideranças intermédias, então tem de haver espaço para as suas sugestões, ideias e soluções, com hipótese real de as testar e implementar. 

Infelizmente, este é um processo raro e a maioria dos trabalhadores na saúde desconhecem os objetivos para os quais trabalham, os indicadores para os quais contribuem, bem como o processo que os define.

Há quem diga que tal é positivo, centrando o foco dos profissionais no indicador que mais interessa - o melhor cuidado ao doente. Por outro lado, qual a lógica dos objetivos se estes não servem para guiar o trabalho das equipas no dia-a-dia? 

Assim, é urgente a criação de novos mecanismos para trazer as equipas de saúde para a definição das estratégias organizacionais e empoderar as lideranças intermédias para este difícil, mas fundamental papel de ligação e tradução dos objetivos macro organizacionais para os objetivos da sua equipa e da cada um dos seus membros.

Se concordarmos com esta premissa, a primeira pergunta que se coloca é: 

Existe um processo estratégico estruturado que promova o envolvimento dos profissionais, em particular, das lideranças intermédias? 

Não estamos a falar das datas limite para assinaturas de contratos-programa ou contratualização interna. Estamos a falar do processo de auscultação, capacitação, envolvimento e decisão que dá origem aos novos objetivos e prioridades a serem incluídos no contrato-programa. 

Como sei se temos um processo de envolvimento adequado?

Um compromisso com uma estratégia participada, implica, pelo menos:

  1. Clarificação acerca do processo de contratualização interna e externa: a cronologia e processo a ser usada para a contratualização interna e externa devem ser claros para todos os envolvidos, especificando-se o momento em que devem participar e as suas responsabilidades e contributos esperados.
  2. Capacitação profunda das lideranças intermédias no processo: os líderes devem ter não só a responsabilidade de gerir o processo de contratualização e definição para os seus serviços/departamentos, mas também ser capazes de envolver e ouvir os membros das suas equipas, de forma a que consiga o contributo da equipa na definição de objetivos partilhados;
  3. Clarificação de expectativas: bem sabemos que nem tudo será possível e que há determinados critérios ou indicadores difíceis de alterar. Assim, as expectativas devem ser geridas desde o início, com uma visão clara das áreas sujeitas a possíveis alterações ou não;
  4. Regras para a tomada de decisão: com um maior número de participantes, é crítico o esclarecimento dos processos de tomada de decisão, incluindo quem terá a última palavra e quando as decisões serão tomadas;
  5. Metodologia de acompanhamento e accountability: o envolvimento no processo estratégico implica uma maior responsabilização também na prossecução dos objetivos, devendo ser acordado entre todos os envolvidos, o processo de reporte, análise e acompanhamento ao longo do tempo de execução do contrato.

Se cumprirmos isto, teremos sucesso?

A verdade é que atualmente os processos estratégicos nas organizações de saúde sofrem de pouca credibilidade ou confiança, principalmente, por parte dos profissionais de saúde. Raramente são ouvidos e, normalmente, terminam a exigir mmais do mesmo e sempre com prazos de discussão atrasados.

Assim, este processo de mudança não será fácil, com várias barreiras possíveis, mas com a principal missão de devolver e construir confiança no processo.

E vamos mudar tudo de uma vez?

Não, necessariamente, porque mudança leva tempo. Podemos começar aos poucos, serviço a serviço, testando o modelo e melhorando, até a mudança se transformar no novo normal.

Quais poderão ser as barreiras à participação da liderança (em particular, as clínicas) na estratégia? 

Nenhuma barreira é difícil de ultrapassar, mas exigem um esforço para que sejam minimizadas aos poucos:

  • Falta de conhecimento do processo e das suas responsabilidades;
  • Falta de incentivos associados à contratualização;
  • Desajuste na linguagem entre responsáveis clínicos e gestão;
  • Falta de tempo para envolvimento mais proeminente dadas as responsabilidades clínicas sobrepostas;
  • Tempos para participação desajustados da realidade das equipas de saúde;
  • Falta de apoio e suporte administrativo ao processo de análise de dados e indicadores;

Se há grupo de profissionais que raramente não está presente, são os profissionais de saúde. Se estes estão ausentes do processo estratégico, só poderá ser porque ou perderem a esperança no processo, ou sentem que não devem lá estar. 

Estamos dispostos a trazê-los de volta?

Diogo Fernandes Silva

Médico